Uma das minhas cenas primitivas vou encontrá-la n`A Queda do Egoísta Johann Fatzer encenada pelo Jorge. Ainda estávamos no século passado. As falas do protagonista apareciam de todos os lados, pelas bocas de vários atores, alternadamente ou em simultâneo. Todos podiam ser Fatzer a qualquer momento. É talvez aí que surge o ponto de partida para este espetáculo, o caminho em conjunto. Ao longo de mais de 10 anos o Jorge tem-me provocado inúmeras vezes para peças e filmes. Chegou a minha vez de dizer anda daí dar uma volta. Quero discutir com o Capitão Jorge, fazer um projeto assim, de ensaios, reuniões, leituras, reescritas, emails, trocas de livros e DVDs e perpetuar este gesto possível em recusa da morte. E quero também fazê-lo com os Artistas Unidos, janela para tudo o que de mais fresco se faz lá fora e cá dentro em dramaturgia e onde conheci tantos dos atores que admirei e ainda admiro. Em Sala V.I.P. para começar teremos cinco pessoas presas num Aeroporto Internacional. Depois faremos das palavras do Jorge as nossas perguntas; e depois do sucesso? do dinheiro? do orgasmo? do amor? da juventude? E depois do Teatro?
Pedro Gil
Quando o Pedro Gil me perguntou se eu estaria interessado em escrever para ele (uma peça, uma não – peça, uma coisa), sabia que ia encontrar um interlocutor e não apenas um encomendador. E eu queria escrever uma peça que ele quisesse montar, como e quando e com quem lhe apetecesse. Gosto muito do Pedro e já lá vão, imagine-se, 12 anos que nos entendemos, desde A Capital, 2000. Mas não queria fazer uma peça que lhe calhasse a matar, na sequência daquelas que ele tão bem tem feito. Queria que fosse minha, com as minhas inquietações, aquilo que me interessa, aquilo que me inquieta, este meu mundo que termina em breve. Não queria uma peça para colocar lindas palavras no espectáculo do Pedro, queria passar-lhe, como há anos fazemos, as chaves do carro (como o fiz no filme sobre o Álvaro Lapa), falar com ele da estrutura intrigante das velhas (e afinal tão novas) peças de Terence Rattigan (que cada vez mais gostaria de montar), entregar-lhe um mundo que me desaparece. E há anos que ando, também por nunca ter conseguido dirigir o Boulevard Solitude de Hans Werner Henze, bela ópera mais uma vez sobre a Manon do Abade Prévost, às voltas com esta paixão, esta vertigem, esta morte, o dinheiro. E então será esta a minha Manon, sola, perduta, abandonata, com saudades de Puccini. Entre salas de espera, entre hospitais, spas e aeroportos, vamos morrendo, desfeitos. Que vais tu, Pedro, fazer disto?
Jorge Silva Melo
Texto Jorge Silva Melo Encenação Pedro Gil Com Andreia Bento, Maria João Falcão, Elmano Sancho, António Simão, João Pedro Mamede e João Aboim(músico) Cenografia e Figurinos Rita Lopes Alves Luz Pedro Domingos Assistente de Encenação João Delgado Assistência à Cenografia e aos Figurinos Ângela Rocha Assistência à Luz João Chicó Construção Thomas Kahrel Fotografia do cartaz Jorge Gonçalves Coprodução Barba Azul (Razões Pessoais), Artistas Unidos e Culturgest Agradecimentos José Manuel Costa Reis e Natália Luiza Sala VIP cita Manon Lescaut de Puccini, Eugene Onegin de Tchaikovsky, “Wild World” de Cat Stevens, Aida de Verdi, La Bohème de Puccini, E Tudo o Vento Levou de Margaret Mitchell / Victor Fleming, Don Giovanni de Mozart, “White Christmas” de Irving Berlin, Sansão e Dalila de Saint-Saëns, Anna Bolena, Lucrezia Borgia e Don Pasquale de Donizetti, Ninotchka de Ernst Lubitsch, Mar Azul Profundo de Terence Rattigan, canções populares napolitanas (“Core n’grato” de Cardillo e “O surdato ’nnammurato” de Califano e Cannio), O Trovador de Verdi, “Mi Tierra” de Estéfano (cantado por Gloria Estefan), Carmen Jones de Oscar Hammerstein II / Georges Bizet e, claro, Manon Lescaut de Abbé Prévost. O texto está editado nos Livrinhos de Teatro (nº76)
Estreia 6 de Julho na Culturgest, inserido no Festival de Almada. Reposição no Teatro da Politécnica de 4 de Setembro a 19 de Outubro